POSTAGEM PARA A TURMA E-3101, DO NATÁLIO SALVADOR ANTUNES
Pessoas
fofas da E-3101 – E.T. Natálio Salvador Antunes , divirtam-se:
TEXTO 01:
Descobrimento – Mário de Andrade
Abancado à escrivaninha em São Paulo
Na minha casa da Rua Lopes Chaves
De supetão senti um friúme por
dentro.
Fiquei trêmulo, muito comovido
Com o livro palerma olhando pra mim.
Não vê que me lembrei que lá no
norte, meu Deus! Muito longe de mim
Na escuridão ativa da noite que caiu
Um homem pálido magro de cabelo
escorrendo nos olhos,
Depois de fazer uma pele com a
borracha do dia,
Faz pouco se deitou, está dormindo.
Esse homem é brasileiro que nem eu.
TEXTO 02: Sampa –
Caetano Veloso
Alguma coisa acontece no meu coração
que só quando cruza a Ipiranga e a
avenida São João
é que quando eu cheguei por aqui eu
nada entendi
da dura poesia concreta de tuas
esquinas
da deselegância discreta de tuas
meninas
ainda não havia para mim Rita Lee
a tua mais completa tradução
alguma coisa acontece no meu coração
que só quando cruza a Ipiranga e
avenida São João
quando eu te encarei frente a frente
não vi o meu rosto
chamei de mau gosto o que vi de mau
gosto o mau gosto
é que Narciso acha feio o que não é
espelho
e à mente apavora o que ainda não é
mesmo velho
nada do que não era antes quando não
somos mutantes
e foste um difícil começo afasto o
que não conheço
e quem vem de outro sonho feliz de
cidade
aprende depressa a chamar-te de realidade
porque és o avesso do avesso do
avesso
do povo oprimido nas filas nas vilas
favelas
da força da grana que ergue e
destrói coisas belas
da feia fumaça que sobe apagando as
estrelas
eu vejo surgir teus poetas de campos
e espaços
tuas oficinas de florestas teus
deuses da chuva
panaméricas de áfricas utópicas
túmulo do samba
(mais possível novo quilombo de
Zumbi)
e os novos baianos passeiam na tua
garoa
e os novos baianos te podem curtir
numa boa.
TEXTO 03: Vou-me Embora pra Pasárgada – Manuel Bandeira
Vou-me embora pra Pasárgada
Lá sou amigo do Rei
Lá
tenho a mulher que quero
Na
cama que escolherei
Vou-me
embora pra Pasárgada
Vou-me
embora pra Pasárgada
Aqui
eu não sou feliz
Lá
a existência é uma aventura
De
tal modo inconsequente
Que
Joana a louca de Espanha
Rainha
e falsa demente
Vem
a ser contraparente
Da
nora que nunca tive
E
como farei ginástica
Andarei
de bicicleta
Montarei
em burro brabo
Subirei
no pau-de-sebo
Tomarei
banhos de mar!
E
quando estiver cansado
Deito
na beira do rio
Mando chamar a mãe-d’água
Pra me contar as histórias
Que
no tempo de eu menino
Rosa
vinha me contar
Vou-me
embora pra Pasárgada
Em
Pasárgada tem tudo
É
outra civilização
Tem
um processo seguro
De
impedir a concepção
Tem
telefone automático
Tem
alcalóide à vontade
Tem
prostitutas bonitas
Para
a gente namorar
E
quando eu estiver mais triste
Mas
triste de não ter jeito
Quando
de noite me der
Vontade
de me matar
-Lá
sou amigo do rei -
Terei
a mulher que eu quero
Na
cama que escolherei
Vou-me
embora pra Pasárgada.
TEXTO 04: flexas contra o muro – Cassiano Ricardo
Pra se poder viver
compra-se
o mundo em que se vive.
Como
quem compra um objeto secreto, mas visível.
Compram-se
os seus problemas sem solução.
Quem
nasce no mundo, hoje,
compra,
sem o querer, uma pomba.
Com
um alfinete feérico na cabeça
Uma
pomba extremamente vizinha de bomba.
Uma
e outra têm asas.
Uma
e outra são limpas.
Ambas
são irmãs pelo som.
Um
simples equívoco
de
fonemas ou de telefonemas
entre
os dois hemisférios
uma
troca de b por p
e o
mundo explodirá em nossa mão.
TEXTO 05: Diversos, de Oswald de Andrade
PRONOMINAIS
Dê-me um cigarro
Diz a gramática
Do professor e do aluno
E do mulato sabido
Mas o bom negro e o bom branco
Da nação brasileira .
Dizem todos os dias
Deixa disso camarada
Me dá um cigarro.
VÍCIO
NA FALA
Para dizerem milho dizem mio
Para melhor dizem mió
Para pior pió
Para telha dizem teia
Para telhado dizem teiado
E vão fazendo telhados.
AMOR
Humor
TEXTO 06: Brás, Bexiga
e Barra Funda – Alcântara Machado
Do consórcio da gente imigrante com
o ambiente,
do consórcio da gente imigrante com
a indígena
nasceram os novos mamelucos.
Nasceram os italianinhos.
O Gaetaninho.
A Camela.
Brasileiros e paulistas. Até
bandeirantes.
E o colosso continuou rolando.
No começo a arrogância indígena
perguntou meio zangada:
Carcamano pé-de-chumbo
Calcanhar de frigideira
Quem te deu a confiança
De casar com brasileira?
O pé-de-chumbo poderia responder
tirando o cachimbo
da boca e cuspindo de lado: A
brasileira, per Bacco!
Mas não disse nada. Adaptou-se. Trabalhou.
Integrou-se.
Prosperou.
E o negro violeiro cantou assim:
Italiano grita
Brasileiro fala
Viva o Brasil!
E a bandeira da Itália!
CRIATURAS, SÓ ATÉ AQUI. BEIJOS PARA OS BEIJÁVEIS E ABRAÇOS PARA OS ABRAÇÁVEIS.
ARTIGO DE OPINIÃO
SOU CONTRA A REDUÇÃO DA MAIORIDADE
PENAL
Renato Roseno
A brutalidade cometida contra dois
jovens em São Paulo reacendeu uma fogueira: a redução da idade penal. Algumas
pessoas defendem a ideia de que a partir dos dezesseis anos os jovens que
cometem crimes devem cumprir pena em prisão. Acreditam que a violência pode
estar aumentando porque as penas que estão previstas em lei, ou a aplicação
delas, são muito suaves para os menores de idade. Mas é necessário pensar nos
porquês da violência, já que não há um único tipo de crime.
Vivemos em um sistema socioeconômico
historicamente desigual e violento, que só pode gerar mais violência. Então,
medidas mais repressivas nos dão a falsa sensação de que algo está sendo feito,
mas o problema só piora. Por isso, temos que fazer as opções mais eficientes e
mais condizentes com os valores que defendemos.
Defendo uma sociedade que cometa
menos crimes e não que puna mais. Em nenhum lugar do mundo houve experiência
positiva de adolescentes e adultos juntos no mesmo sistema penal. Fazer isso
não diminuirá a violência. Nosso sistema penal como está não melhora as
pessoas.
O problema não está só na lei, mas
na capacidade para aplicá-la.
Sou contra porque a possibilidade de
sobrevivência e transformação desses adolescentes está na correta aplicação do
Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Lá estão previstas seis medidas
diferentes para a responsabilização de adolescentes que violaram a lei. Para
fazer bom uso do ECA é necessário dinheiro, competência e vontade.
Sou contra toda e qualquer forma de
impunidade. Quem fere a lei deve ser responsabilizado. Mas reduzir a idade
penal é ineficiente para atacar o problema. Problemas complexos não serão
superados de modo simplório e imediatista. Precisamos de inteligência,
orçamento e, sobretudo, de um projeto
ético e político de sociedade que
valorize a vida em todas as suas formas. Nossos jovens não precisam ir para a
cadeia. Precisam sair do caminho que os leva até lá. A decisão agora é nossa:
se queremos construir um país com mais prisões ou com mais parques e escolas.
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Renato Roseano é advogado, coordenador do Centro
De Defesa da Criança e do Adolescente (Cedeca –
Ceará) e da Associação Nacional dos Centros de
Defesa da Criança e do Adolescente (Anced).
FIM DA POSTAGEM PARA A 3001
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