O ARCADISMO


O Arcadismo (Neoclassicismo


            Engajado no processo de luta ideológica e política que levaria a burguesia ao poder em 1789(Revolução Francesa), o arcadismo pode  ser visto , sob o ponto de vista ideológico, como uma arte revolucionária. Porém, do ponto de vista estético, é uma arte conservadora, pois ainda se liga à tradição clássica.
            O Arcadismo volta-se para um novo público consumidor, formado pela burguesia e pela classe média. Como expressão artística dessas camadas sociais, identifica-se com as idéias da Ilustração e veicula-se sob a forma de valores que se opõem ao tipo de vida levado pelas cortes aristocráticas e à arte que consumiam, o Barroco.
            Daí a idealização da vida natural em oposição à vida urbana; a humildade em oposição aos gastos exorbitantes da nobreza; o racionalismo em oposição à fé; a linguagem simples e direta em oposição à linguagem prolixa do barroco. Esses  novos valores artísticos e culturais propunham uma sociedade mais justa, racional e livre.

Características da Linguagem Árcade


FUGERE URBEM (fuga da cidade): “a civilização corrompe os costumes do homem, que nasce bom”(Rousseau)
            “Quem deixa o trato pastoril amado
            Pela ingrata, civil correspondência
            Ou desconhece o rosto da violência,
            Ou do retiro a paz não tem provado.”  (Cláudio Manuel da Costa)


AUREA MEDIOCRITAS (vida medíocre materialmente, mas rica em realizações espirituais).
            “Se não tivermos lãs e peles finas,
            podem mui bem cobrir as carnes nossas
            as peles dos cordeiros mal curtidas,
            e os panos feitos com as lãs mais grossas.
            Mas ao menos será o teu vestido
            Por mãos de amor, por minhas mãos cosido.” (Tomás Antônio Gonzaga)


CARPE DIEM (aproveitar o dia). Curtir o momento, aproveitar a vida enquanto é possível.
            “Ah! não, minha Marília, / aproveite-se o tempo, antes que faça
            o estrago de roubar ao corpo as forças, / e ao semblante a graça.” (T.A.G.)


IDÉIAS ILUMINISTAS: liberdade, justiça e igualdade social.
            “O ser herói, Marília, não consiste
            Em queimar os impérios: move a guerra,
            Espalha o sangue humano,
            E despovoa a terra
            Também o mau tirano.
            Consiste o ser herói em viver justo:
            E tanto pode ser herói o pobre,
            Como o  maior augusto.”  (Tomás Antônio Gonzaga)


CONVENCIONALISMO AMOROSO: na poesia árcade, as situações são artificiais; não é o próprio poeta que fala de si e de seus reais sentimentos. Quase sempre é um pastor que confessa o seu amor por uma pastora e a convida para aproveitar a vida junto à natureza. Não há variações emocionais, graças ao convencionalismo amoroso, que impede a livre expressão dos sentimentos, levando o poeta a racionalizá-los, mantendo-se o distanciamento amoroso entre os amantes, o que já se observava na poesia clássica. A mulher é vista como um ser superior, inalcançável e imaterial.

            “Ah! queira Deus que minta sorte irada:
            Mas de tão agouro cuidadoso
            Só me lembro de Nise, e de mais nada.” (Cláudio Manuel da Costa)

            Esse convencionalismo amoroso não é seguido por alguns poetas árcades; é o caso do português  Bocage e do brasileiro Tomás Antônio Gonzaga, que expõem diretamente suas emoções e suas experiências vividas, sendo por isso considerados pré-românticos ou de transição.

            “Meu ser evaporei na lida insana
            Do tropel das paixões que me arrastava.” (Bocage)

OBS.: A canção a seguir, embora do nosso tempo, traduz perfeitamente a ideia do ARCADISMO.

CASA DE CAMPO - OS NONATOS

Eu vou me mudar pra fazenda
Que a urbe que ilude, só me desilude
Com medo do trânsito do asfalto
E de assalto, sem ter quem me ajude
Eu quero uma casa de alpendre
Com bichos no pátio, com peixe no açude
Me basta Sol a céu aberto
E uma escola perto que meu filho estude

Antes que me mudem tudo
Eu mudo e tomo uma atitude
Reúno a família e me queixo
Eu deixo a cidade e não deixo
Que a minha origem mude

Numa casa de campo
Eu sonho anoitecer com lua e luz de pirilampo
Eu largo a metrópole do medo e sem medo eu acampo
Numa casa de campo, numa casa de campo

Prefiro me acordar com o galo
Que não tem relógio, mas desperta a gente
Tomar o meu leite composto
Sem gosto de água e bem quente
Na roça sepultar os grãos
E assistir o parto sem dor da semente
Com água de pote e toneis
Lavar os meu pés sentado ao batente

E a tarde nos últimos ensaios
Dos raios do sol do poente
Eu volto um milhão pra voltar
Eu quero custe o que custar
Morar novamente

Numa casa de campo
Que eu possa ligar pra os vizinhos
Sem esculta e grampo
Preciso falar com pessoas que dizem relampo
Numa casa de campo, numa casa de campo

Composição: NONATO COSTA / RAIMUNDO NONATO


O Arcadismo no Brasil: 1768 – 1836

1768 – Publicação das Obras Poéticas, de Cláudio Manuel da Costa;

1836 – Publicação de Suspiros Poéticos e Saudades, de Gonçalves de Magalhães – obra que marca o início do nosso Romantismo.

            O Arcadismo brasileiro originou-se e concentrou-se, principalmente, em vila Rica, atual Ouro Preto – MG, e seu aparecimento teve relação direta com o grande crescimento urbano verificado nas cidades mineiras do século XVIII, cuja base econômica era a extração do ouro.
As idéias iluministas, em Vila Rica, levaram vários intelectuais e escritores a sonharem com a independência do Brasil, principalmente após a repercussão da independência dos Estados Unidos da América(1776). Tais sonhos culminaram na frustrada Inconfidência Mineira(1789).

Cecília Meireles, poetisa modernista, em seu Romanceiro da Inconfidência, registra o espírito febril provocado pelo ouro:
“Mil galerias desabam;
mil homens ficam sepultos;
mil intrigas, mil enredos
prendem culpados e justos;
já ninguém dorme tranquilo,
que a noite é um mundo de sustos.”

Por um lado, nossos escritores procuraram obedecer aos princípios estabelecidos pelas academias literárias ou se inspiravam em certos escritores clássicos consagrados, como Camões, Petrarca e Horácio; mas por outro lado, acrescentaram elementos nacionais, dando a nossa literatura uma certa independência.


Texto contemporâneo com características árcades: CASA NO CAMPO - Zé Rodrix e Tavito.

Eu quero uma casa no campo
onde eu possa compor muitos rocks rurais
e tenha somente a certeza dos amigos do peito e nada mais
Eu quero uma casa no campo
onde eu possa ficar do tamanho da paz
e tenha somente a certeza
dos limites do corpo e nada mais
Eu quero carneiros e cabras pastando solenes
no meu jardim
Eu quero o silêncio das línguas cansadas
Eu quero a esperança de óculos
e um filho de cuca legal
Eu quero plantar com a mão
a pimenta e o sal
Eu quero uma casa no campo
do tamanho ideal
pau-a-pique e sapê
Onde eu possa plantar meus amigos
Meus discos / Meus livros / e nada mais.



Principais Autores e Obras do Arcadismo Brasileiro


Cláudio Manuel da Costa: 1729 – 1789

Pseudônimo: Glauceste Satúrnio
Musa-pastora: Nise
Poesia lírica: influência camoniana; o amor e a natureza se destacam.
Poesia épica: Vila Rica, que narra a fundação e a história da cidade, exaltando as     aventuras dos bandeirantes.

            Em 1789, foi acusado de envolvimento na Inconfidência Mineira. Encontrado morto na prisão, a alegação oficial para sua morte foi de suicídio, versão contestada, inclusive, por Cecília Meireles:

            “Dizem que não foi atilho             
            nem punhal atravessado,             
            mas veneno que lhe deram,        
            na comida misturado.                   
           
            E que chegaram doutores,
            e deixaram declarado
            que o morto não se matara,
            mas que fora assassinado.”


Tomás Antônio Gonzaga: 1744 - 1810

Pseudônimo: Dirceu
Musa-pastora: Marília
Poesia lírica: Marília de Dirceu
Poesia satírica: Cartas Chilenas – poema anônimo e incompleto, cuja autoria lhe fora atribuída.

            O mais popular dos poetas árcades mineiros apaixona-se por Maria Dorotéia  de Seixas, uma jovem de 16 anos que será cantada em seus versos sob o pseudônimo de Marília.
            “Estou no inferno, estou  Marília bela;
            e uma coisa só é mais humana
            a minha dura estrela;
            uns não podem mover do inferno os passos;
            eu pretendo  voar e voar cedo
            à glória dos teus braços.”


            A omissão da autoria nas Cartas Chilenas decorre do risco resultante de seu conteúdo: satirizavam os desmandos administrativos e morais de Luís da Cunha Menezes, que governou a capitania de Minas gerais entre 1783 e 1788. Estudos recentes reconheceram a autoria de Tomás Antônio Gonzaga.
            A obra é toda um jogo de disfarces: Fanfarrão Minésio é o pseudônimo do governador; Chilenas equivale a mineiras; Santiago, de onde são assinadas, equivale a Vila Rica. O autor das cartas é identificado como Critilo e seu destinatário, como Doroteu.

            “Aquele, Doroteu, que não é santo,
            mas quer fingir-se santo aos outros homens,
            pratica muito mais do que pratica
            quem segue os sãos caminhos da verdade.
            Mal se põe nas igrejas, de joelhos,
            abre os braços em cruz, a terra beija,
            entorta o seu pescoço, fecha os olhos,
            faz que chora, suspira, fere o peito
            e executa outras muitas macaquices,
            estando em parte onde o mundo as veja.
            Assim o nosso chefe, que procura
            mostrar-se compassivo, não descansa
            com estas poucas obras: passa a dar-nos
            da sua compaixão maiores provas.”


Silva Alvarenga: 1749 – 1814

Pseudônimo: Alcindo Palmirendo
Poesia lírica: Glaura.

            Sua obra apresenta como principais características: nativismo(elementos da fauna e da flora nacionais) e sensualidade, sendo, considerado, inclusive, um poeta de transição para o Romantismo.

            “Neste bosque alegre e rindo
            Sou amante afortunado,
            E desejo ser mudado
            No mais lindo Beija-flor.
            Todo o corpo num instante
            Se atenua, exala e perde:
            E já de oiro, prata e verde
            A brilhante e nova cor.”



A Épica Árcade

            A épica árcade brasileira é representada, principalmente, pelas obras O Uraguai, de  Basílio  da Gama, e Caramuru, de Santa Rita Durão. Além de conterem idéias iluministas, esses poemas apresentam também certos aspectos inexistentes na épica européia: o indianismo e o exotismo da paisagem colonial.



Basílio da Gama: 1741 – 1795

Pseudônimo: Termindo Sipílio;
Obra principal: O Uraguai, cujo tema é a luta dos portugueses e espanhóis contra índios e jesuítas instalados nas missões jesuíticas do atual Rio Grande do Sul, que não queriam aceitar as decisões do Tratado de Madri.
            “Fumam ainda nas desertas praias
            Lagos de sangue tépidos e impuros
            Em que ondeiam cadáveres despidos,
            Pasto de corvos. Dura inda nos vales
            O rouco som da irada artilharia.”


Frei José de Santa Rita Durão: 1722 – 1784

            Afirmando que a razão de seu poema Caramuru era o “amor à pátria”, embora tivesse vivido quase todo o tempo em Portugal, Santa  Rita confirma a tendência nativista de seu poema, o qual narra as aventuras, em parte históricas, em parte lendárias, do náufrago português Diogo Álvares Correia, o Caramuru. Em  meio às aventuras do protagonista, o autor aproveita para fazer longa descrição das qualidades da terra:
            “Não são menos que as outras saborosas
            As várias frutas do Brasil campestres;
            Com gala de ouro e púrpura vistosas
            Brilha a mangaba e os mocujés silvestres.”




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