O BARROCO
Convivendo com o sensualismo e os
prazeres materiais trazidos pelo Renascimento,
os valores espirituais – tão fortes na Idade Média e desprezados pela
concepção renascentista – voltaram a exercer forte influência sobre a
mentalidade da época. Uma nova onda de
religiosidade foi trazida pela Contra-Reforma e pela fundação da Companhia de
Jesus. O que decorreu daí foram, naturalmente, sentimentos contraditórios, já
que o homem estava dividido entre valores opostos. A arte barroca, que exprime essa contradição, igualmente
oscila entre o clássico pagão e o medieval cristão, apresentando-se, então,
como uma arte indisciplinada.
O BARROCO NO BRASIL: 1601 – 1768
Os primeiros textos literários
escritos por brasileiros no Brasil-Colônia surgem num momento em que o Barroco
europeu se desenvolve e se expande. As condições da colônia, no entanto,
diferem bastante das cortes européias luxuosas e, por isso, o Barroco adquire,
entre nós, características específicas,
tendo como marco inicial a obra Prosopopéia(1601),
de Bento Teixeira, uma espécie de
cópias de Os Lusíadas.
Aqueles que escreviam encontraram na
literatura um instrumento para criticar e combater a mentalidade de egoísmo e
ganância que prevalecia na colônia, para moralizar a população com os
princípios da religião católica ou ainda para dar vazão aos seus sentimentos
pessoais mais profundos. Gregório de Matos, por exemplo, o maior
nome do Barroco brasileiro, divide suas atenções entre os modelos do Barroco
europeu e a crítica e a sátira da realidade baiana na qual viveu, chocando
os valores e a falsa moral da sociedade,
utilizando, inclusive, em algumas obras, um vocabulário de baixo calão,
ignorando o poder das autoridades políticas e religiosas.
PRINCIPAIS TEMAS BARROCOS:
·
O sobrenatural;
·
A morte como
expressão máxima da efemeridade das coisas;
·
Fugacidade da vida e
das coisas;
·
Castigo;
·
O tempo visto como
agente da morte e da dissolução das coisas;
·
Erotismo; Misticismo;
Arrependimento;
·
Cenas trágicas; Apelo
à religião.
QUADRO
COMPARATIVO
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CLASSICISMO
|
BARROCO
|
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Equilíbrio
e harmonia
|
Desequilíbrio
e exuberância
|
|
Euforia
|
Depressão
|
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Perenidade
|
Perecimento
|
|
Exaltação
do humano
|
Pessimismo
em relação ao ser humano
|
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Glória
e fama
|
Desencanto
|
|
Antiguidade
Clássica
|
Idade
Média
|
CARACTERÍSTICAS DA LINGUAGEM BARROCA
Requinte formal: construções sintáticas elaboradas, vocabulário de alto
nível, a fim de agradar ao seu público consumidor, a aristocracia.
Figuração: em vez de dizer as coisas de maneira direta e objetiva,
o texto barroco prefere o uso de figuras: metáforas, comparações, símbolos,
alegorias, etc..;
Conflito espiritual: o homem barroco
sente-se dilacerado e angustiado diante da alteração dos valores, dividindo-se
entre o mundo material e o espiritual. Para exprimir esta confusão, o escritor
barroco utiliza a antítese e o paradoxo, figuras de linguagem que indicam
contradição ou oposição.
Temas contraditórios: gosto pela confrontação violenta de temas opostos: amor/dor;
vida/morte; juventude/velhice; pecado/perdão.
Efemeridade do tempo e carpe diem: o homem barroco tem consciência de que a vida terrena é
efêmera, passageira, e, por isso, é preciso pensar na salvação espiritual. Por
outro lado, já que a vida é passageira, sente, ao mesmo tempo, desejo de
curti-la antes que acabe, o que resulta num sentimento contraditório, já que
curtir a vida implica pecar, e, se há pecado, não há salvação.
Cultismo: é o rebuscamento formal, caracterizado pelo jogo de
palavras e pelo excessivo emprego de figuras de linguagem, explorando efeitos
sensoriais, como cor, tom, forma, volume, sonoridade, imagens violentas e
fantasiosas, enfim, recursos que sugerem a superação dos limites da realidade.
Conceptismo: jogo de idéias constituído pelas sutilezas do raciocínio
e do pensamento lógico, por analogias, etc..
PRINCIPAIS FIGURAS DE LINGUAGEM EXPLORADAS
PELO BARROCO
Metáfora: é uma comparação abreviada; através dela o poeta revela
semelhanças profundas que descobre na realidade: “As aves, que eram no
bosque, / Clarins de plumas animadas.”
Antítese: reflete a contradição, o dualismo e a luta de forças
opostas, típicas do barroco: “O prazer
com a pena se embaraça.”
Paradoxo: duas idéias contrárias num único pensamento: “Rio de neve em fogo convertido.”
Hipérbole: traduz a grandiosidade e o exagero do estilo barroco: “... Outro mar mais copioso / Largando dos meus olhos a corrente...”
Prosopopeia: personificação de seres inanimados: “Agora que se cala o surdo vento.”
TEXTO 01: Buscando a Cristo –
Gregório de Matos
A vós
correndo vou, braços sagrados,
Nessa
cruz sacrossanta descobertos,
Que,
para receber-me, estais abertos,
E, por
não castigar-me, estais cravados.
A vós,
divinos olhos, eclipsados
De
tanto sangue e lágrimas abertos,
Pois
para perdoar-me, estais despertos,
E, por
não condenar-me, estais fechados.
A vós,
pregados pés, por não deixar-me,
A vós,
sangue vertido, para ungir-me,
A vós,
cabeça baixa, pra chamar-me.
A vós,
lado patente, quero unir-me,
A vós,
cravos preciosos, quero atar-me,
Para
ficar unido, atado e firme.
TEXTO 02: Neste fragmento do Padre Antônio vieira, ele procura
persuadir seus ouvintes a não se envolverem com idéias de reforma religiosa (o
Protestantismo).
“A uns mártires penduravam pelos cabelos, ou
por um pé, ou por ambos, ou pelos dedos polegares, e assim, no ar, despidos,
batiam e martelavam com tal força e continuação, os cruéis e robustos algozes,
que ao princípio açoitavam os corpos, depois desfiavam as mesmas chagas, ou uma
só chaga até que não tinha já que açoitar nem ferir. A outros estirados e
desconjuntados no ecúleo, ou estendidos na catasta aravam ou cardavam os
membros com pentes e garfos de ferro, a que propriamente chamavam escorpiões,
ou metidos debaixo de grandes pedras de moinho, lhes espremiam como em lagar o
sangue, e lhes moíam e imprensavam os ossos, até ficarem uma pasta confusa, sem
figura, sem semelhança do que dantes eram. A outros cobriam todos de pez,
resina e enxofre, e ateando-lhes o fogo, os faziam arder em pé como tochas ou
luminárias, nas festas dos ídolos, esforçando-os para este suplício como lhes
dar a beber chumbo derretido.”
TEXTO 03: Neste fragmento de Gregório de Matos, ele apresenta uma violenta crítica a sociedade
de sua época, em especial ao governador da Bahia (seu desafeto) e ao clero.
Que
falta nesta cidade? ... Verdade
Que
mais por sua desonra...Honra
Falta
mais que se lhe ponha... Vergonha.
O demo
a viver se exponha,
por
mais que a fama a exalta,
numa
cidade, onde falta
Verdade,
Honra, Vergonha.
Que vai
pela clerezia?... Simonia
E pelos
membros da Igreja?... Inveja
Cuidei,
que mais se lhe punha...Unha.
Sazonada
caramunha!
enfim
que na Santa Sé
o que
se pratica é
Simonia,
Inveja, Unha.
TEXTO 04: PARADOXO – Isac
Machado de Moura
Jamais
esquecerei o teu rostinho triste
daquele
triste momento de angústia.
O
desespero estampado em teu rostinho
tão
alegre,
teu
sorriso ausente,
tua
alma magoada.
Triste
momento aquele,
jamais
esquecerei.
Tentaste
sorrir ao me veres
e tudo
que conseguiste foi chorar.
Jamais
esquecerei aquelas lágrimas,
nem teu
abraço choroso,
nem teu
beijo entre soluços.
Jamais
esquecerei...
A
imagem daquele triste episódio
marcou-me
para sempre:
um
corpo inerte,
velas
acesas,
lágrimas,
lamentações,
o fim
de uma vida.
A morte
em absoluto silêncio,
a vida
chorando diante da morte,
que
ganhara mais uma batalha.
Lá
estava um pedaço de ti,
tomado
pela “inimiga das gentes.”
Teu rostinho alegre,
jamais esquecerei:
jamais esquecerei o teu sorriso,
jamais esquecerei a alegria
daquele momento,
nem teu abraço alegre,
nem teu beijo carinhoso
entre sorrisos...
Jamais
esquecerei.
A vida naquele dia visitara os vivos
e dera-lhes um presente:
uma nova vida,
que desabrochara como uma flor
no jardim da existência.
Sorrisos, felicitações, abraços,
muita felicidade, o início de uma vida.
Tua felicidade me inundara
E
juntos comemoramos.
Vida,
morte;
luz, veio à luz;
escuridão, velas
acesas.
Alegria, .
tristeza;
sorrisos,
lágrimas;
todos falam,
absoluto silêncio;
surge uma nova vida,
dissipa-se uma vida.
Teu
sorriso jamais esquecerei,
e jamais esquecerei o
teu rostinho triste.
Sempre te amarei
no paradoxo da
existência.
Exercícios
Considerando os textos
01 e 02, responda:
1.
Os
dois textos apresentam semelhança quanto ao tema, evidenciando uma preocupação
tipicamente barroca. Explique essa semelhança.
2.
Observe
a postura do cristão em cada um dos textos.
a)
Como
pode ser interpretado no texto 01, o desejo do eu-lírico de unir-se ao corpo
torturado de Cristo?
b)
Que
semelhança há entre a postura do cristão nos dois textos?
3.
A
linguagem barroca normalmente busca transmitir estados de conflito espiritual.
Por isso faz uso de certas figuras de linguagem, tais como a hipérbole, a
antítese, as inversões, as metáforas, além de alegorias, de imagens violentas e
de sugestões de som e cor que traduzem o sentido trágico da vida.
a)
Destaque
do texto 01 um exemplo de antítese e outro de inversão.
b)
Destaque
do texto 02 exemplos de sugestões
sonoras e de imagens violentas.
4.
O
Barroco apresenta certa atração pelo mórbido como forma de exprimir a
fragilidade e o grotesco da condição humana. Explique de que forma se manifesta
essa atitude em cada um dos textos
lidos.
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