O TROVADORISMO
O
TROVADORISMO PORTUGUÊS: 1189 – 1418
Utilizando o dialeto galego-português, os trovadores nos
legaram dois tipos de cantigas:
LÍRICO-AMOROSA:
cantiga de amor e cantiga de amigo;
SATÍRICA:
cantiga de escárnio e cantiga de maldizer.
CANTIGA DE AMOR
·
O trovador assume o eu-lírico masculino: é o homem quem
fala;
·
A mulher é um ser
superior, pertence a uma categoria social mais elevada que a do trovador;
·
Expressa a coita(dor, sofrimento) amorosa do
trovador, por amar uma mulher inacessível, que não lhe corresponde e a quem
rende vassalagem amorosa
TEXTO
01 – da época – DOM DINIS
Você me
proibiu, senhora,
de que lhe
dissesse qualquer coisa
sobre o
quanto morro por sua causa.
Mas
então me diga,
Por
Deus, Senhora: a quem falarei
o
quanto sofro e já sofri por você
senão a
você mesma?
Ou a
quem direi o meu amor
Se eu
não o disser a você?
Calar-me
não é o que quero
Mas
dizê-lo também não adianta.
Sofro
tanto de amor por você.
Se eu
não lhe falar sobre isso
Como
saberá o que sinto?
Ou a
quem direi o sofrimento/ que me faz sofrer,
se eu
não for dizê-lo a você? / Diga-me: o que faço?
E,
assim, se Deus lhe perdoa, / coita do meu coração,
a quem
direi o meu amor?
TEXTO 02 – atual, com características de
cantiga de amor - Roberto Carlos
Eu
tenho tanto pra te falar,
mas com
palavras não sei dizer
como é
grande o meu amor por você.
E não
há nada pra comparar
para
poder lhe explicar
como é
grande o meu amor por você.
Nem
mesmo o céu, nem as estrelas,
nem
mesmo o mar e o infinito,
Não é
maior que o meu amor,
Nem
mais bonito.
Eu
desespero a procurar
Alguma
forma de lhe falar
Como é
grande o meu amor por você.
Nunca
se esqueça nenhum segundo
Que eu
tenho o amor maior do mundo,
Como é
grande o meu amor por você.
CANTIGA DE AMIGO
·
O trovador assume o eu-lírico feminino: é a donzela quem
fala;
·
A mulher campesina ou
urbana é de nível social baixo;
·
Expressa o sentimento
de quem sofre por sentir saudade do amigo
(namorado) que foi combater os mouros invasores.
TEXTO
01 – da época – MARTIN CODAX
Tenho notícias
de que hoje chega o meu namorado
e irei, mãe, a Vigo.
Tenho notícias
de que hoje chega o meu amado
e irei, mãe, a Vigo.
Hoje chega o meu namorado
e está são e vivo
e irei mãe, a Vigo.
Hoje chega o meu amado
E está vivo e são
E irei, mãe, a Vigo.
Está são e vivo
E amigo do rei
E irei, mãe, a Vigo.
Está
vivo e são
E é da
confiança do rei
E irei,
mãe, a Vigo.
TEXTO 02 – atual, com
características de cantiga de amigo – Chico Buarque
Oh pedaço de mim
Oh metade amputada de mim
Leva o que há de ti
Que a saudade dói latejada
É assim como uma fisgada
No membro que já perdi
Oh pedaço de mim
Oh metade adorada de mim
Leva os olhos meus
Que a saudade é o pior castigo
E eu não quero levar comigo
A mortalha do amor... Adeus.
Exercícios
1.
O
texto de D. Dinis é uma cantiga de amor e o texto de Martin Codax, uma cantiga
de amigo. Comparando os 2 textos, responda:
a)
Quem
é o eu-lírico, ou seja, o emissor da mensagem de cada um dos textos?
b)
Com
quem fala e de que fala o eu-lírico de cada texto?
c)
Qual
dos textos apresenta maior complexidade de idéias e maior profundidade de
sentimentos?
d)
Como
é tratado o sentimento amoroso em cada um dos textos?
2.
O
texto de Roberto Carlos apresenta características de uma cantiga de amor, já o
de Chico Buarque apresenta características de uma cantiga de amigo. O que há de
diferente ou de semelhante entre eles quanto ao sentimento amoroso?
3.
Nas
cantigas de amigo é comum a presença de uma confidente (a mãe ou uma amiga) a
quem a jovem namorada segreda os seus sofrimentos amorosos. Contudo, em razão
da ausência do homem, que ia lutar contra os mouros, algumas vezes a mãe
aparece com autoridade para vigiar e controlar os namoros da filha.
a)
No
texto de Martin Codax, com que objetivo a jovem informa a mãe que vai a Vigo,
ao encontro do namorado?
b)
No
mesmo texto, que versos da cantiga poderiam despertar na mãe o interesse em que
a filha fosse a esse encontro? Justifique sua resposta.
4.
A
relação amorosa observada no texto de D.Dinis pode ser associada às relações de
vassalagem existentes na sociedade medieval.
a)
A
quem corresponde a figura do suserano, no caso do texto?
b)
A
quem corresponde a figura do vassalo?
CANTIGA DE ESCÁRNIO
· Cantiga
de caráter satírico em que o ataque acontece indiretamente por intermédio da
ironia e do sarcasmo;
· Tem por objetivo
criticar pessoas, costumes e acontecimentos sem revelar o nome da “vítima”;
TEXTO 01 – da época - Joan Airas de Santiago
Uma
dona, não vou dizer qual,
teve um
forte agouro,
pelas
oitavas de Natal:
saía de
casa para ir à missa,
mas
ouviu um corvo carniceiro
e não
quis mais sair de casa.
A dona,
de um coração muito bom,
ia à
missa
para
ouvir seu sermão,
mas
veja o que a impediu:
ouviu
um corvo sobre si
e não
quis mais sair de casa.
A dona
disse: - E agora?
O padre
já está pronto
e irá
maldizer-me
se não
me vir na igreja.
E disse
o corvo: - Quá a cá
e ela
não quis mais sair de casa.
Nunca
vi tais agouros,
desde o
dia em que nasci,
como o
que ocorreu neste ano por aqui:
ela
quis tentar partir,
mas
ouviu um corvo sobre si
e não
quis mais sair de casa.
TEXTO 02 – atual, com
características da cantiga de escárnio – Chico Buarque
A GALINHA
Todo
ovo
Que eu
choco
Me toco
De novo
Todo
ovo
É a
cara
É a
clara
Do vovô
Mas
fiquei bloqueada
E agora
De
noite
Só
sonho
Gemada
A
escassa produção
Alarma
o patrão
As
galinhas sérias
Jamais
tiram férias
“Estás
velha, te perdôo
Tu
ficas na granja
Em
forma de canja”
Ah!!!
É esse
o meu troco
Por
anos de choco
Dei-lhe
uma bicada
e Fugi,
chocada
Quero
cantar
Na
ronda
Na
crista
Da onda
Pois um
bico a mais
Só faz
mais feliz
A
grande gaiola
Do meu
país.
CANTIGA DE MALDIZER
· antiga de caráter
satírico em que o ataque acontece de maneira direta;
·
Tem por objetivo
criticar pessoas, costumes ou acontecimentos citando o nome do elemento
envolvido.
TEXTO 01 – da época – Pero da
Ponte
Quem a
sua filha quiser dar
uma
profissão com que
possa
prosperar
há de
ir a Maria Dominga,
que lhe
saberá muito bem mostrar;
e vos
direi o que lhe fará:
antes
de um mês lhe ensinará
como
rebolar as ancas.
E já
lhe vejo a ensinar e sustentar
uma
filha sua;
e quem
observar bem suas artes
pode
afirmar isto:
que de
Paris até aqui
não há
mulher
que
rebole melhor.
E quem
deseja enriquecer
não
ponha sua filha a fazer
trabalhos
manuais;
enquanto
esta mestra aqui estiver
ela lhe
ensinará a profissão certa
para
que seja uma mulher rica,
a não
ser que lhe faltem homens.
como
rebolar as ancas.
Deve-se
saber disso,
para
aprender essas artes;
além
disso, pode-se aprimorar
cada
vez mais na profissão;
e
depois que aprender tudo muito bem,
irá
sustentar-se como puder;
Sustentar-se
com seu próprio trabalho.
TEXTO 02 – atual, com
características de cantiga de maldizer – Chico Buarque
GENI E O ZEPELIM
De tudo
que é nego torto,
do
mangue e do cais do porto,
ela já
foi namorada.
O seu
corpo é dos errantes,
dos
cegos, dos retirantes,
é de
quem não tem mais nada.
Dá-se
assim desde menina
na
garagem, na cantina,
atrás
do tanque, no mato.
É
rainha dos detentos,
das
loucas, dos lazarentos,
dos
moleques do internato
e
também vai amiúde
com os
velhinhos sem saúde
e as
viúvas sem covil.
Ela é
um poço de bondade
e é por
isso que a cidade
vive
sempre a repetir:
Joga pedra na Geni,
ela é feita pra apanhar,
ela é boa de cuspir,
ela dá pra qualquer um,
maldita Geni.
Um dia
surgiu brilhante
entre
as nuvens flutuantes
um
enorme zepelim;
pairou
sobre os edifícios,
abriu
dois mil orifícios
com
dois mil canhões assim.
A
cidade apavorada
se
quedou paralisada
pronta
pra virar geléia,
mas do
zepelim gigante
desceu
o seu comandante
dizendo:
mudei de idéia;
quando
vi nesta cidade
tanto
horror, iniquidade,
resolvi
tudo explodir,
mas
posso evitar o drama
se
aquela formosa dama
esta
noite me servir.
Essa dama era Geni,
mas não pode ser Geni,
ela é feita pra apanhar,
ela é boa de cuspir,
ela dá pra qualquer um...
maldita Geni.
Mas de
fato logo ela,
tão
coitada, tão singela
cativar
o forasteiro!
Um
guerreiro tão vistoso,
tão
temido e poderoso
era
dela prisioneiro.
Acontece
que a donzela,
isso
era segredo dela,
também
tinha seus caprichos:
a
deitar com homem tão nobre,
tão
cheiroso, a brilhar cobre,
preferia
amar com os bichos.
Ao
ouvir tal heresia
a
cidade em romaria
foi
beijar a sua mão:
o prefeito
de joelhos,
o bispo
de olhos vermelhos
e o
banqueiro com um milhão.
Vai
com ele, vai Geni,
você
pode nos salvar,
você
vai nos redimir,
você
dá pra qualquer um...
bendita
Geni.
Foram tantos os pedidos
tão sinceros, tão sentidos,
que ela dominou seu asco,
nessa noite lancinante
entregou-se a tal amante
como quem nasceu carrasco.
E ele fez tanta sujeira,
lambuzou-se a noite inteira
até ficar saciado
e nem bem amanhecia
partiu numa nuvem fria
com seu zepelim prateado.
Num suspiro aliviado
ela se virou de lado
e tentou até sorrir,
mas logo raiou o dia
e a cidade em cantoria
não deixou ela dormir.
Joga
pedra na Geni,
joga
bosta na Geni,
ela
é feita pra apanhar,
ela
é boa de cuspir,
ela dá pra qualquer um...
maldita
Geni.
.
Exercícios
1.
Os
textos de Joan Airas de Santiago e de
Pero da Ponte fazem uma crítica moral a
determinada senhora da sociedade portuguesa da época. O que se critica nessas
mulheres em cada uma das cantigas?
2.
Embora
haja semelhança quanto ao assunto, os textos citados na questão anterior
diferem entre si pela forma como fazem a crítica.
a)
Qual
dos textos emprega uma linguagem mais direta e vulgar?
b)
Qual
deles faz uso de uma linguagem cheia de ambiguidades, trocadilhos e
insinuações?
c)
Em
qual dos textos predomina a ironia leve e sutil? E a zombaria?
d)
Em
qual deles o nome da pessoa satirizada é identificado.
3.
Coube
ao século XIX, a descoberta surpreendente da nossa primeira época lírica. Em
1904, com a edição crítica e comentada do Cancioneiro da Ajuda, feita por
Carolina Michaelis de Vasconcelos, tivemos a primeira grande visão de conjunto
do valiosíssimo espólio descoberto.
a)
Qual
é essa “primeira época lírica” portuguesa?
b)
Que
tipos de composição poética se cultivaram nessa época?
4.
No
texto GENI E O ZEPELIM, de Chico Buarque, observamos que Geni é uma mulher de
carne e osso. Como era a mulher observada nas cantigas de amor?
5.
O
que você entendeu do texto GENI E O ZEPELIM? Faça um resumo das idéias
principais.
A PROSA TROVADORESCA
Em Portugal, a prosa começou a surgir entre o século XIV e o início do século XV,
na forma de hagiografias, nobiliários, cronicões e novelas de cavalaria.
As novelas de cavalaria resultam da transformação em prosa das canções
de gestas, poemas que narravam heróicas aventuras de cavaleiros andantes. Seus
temas são as aventuras fantásticas de cavaleiros lendários e destemidos, que
liquidavam monstros e malvados em batalhas sangrentas, por Deus e pelo amor de
uma donzela.
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