PRÉ-MODERNISMO: MONTEIRO LOBATO E LIMA BARRETO

MONTEIRO LOBATO (1882 - 1948): o moderno antimodernista.

            Foi um dos escritores brasileiros de maior prestígio, graças a sua atuação como intelectual polêmico e autor de histórias infantis.

            Sua ação, além do círculo literário, estende-se também ao plano da luta política e social. Moralista e doutrinador, aspirava ao progresso material e mental do povo brasileiro. Com sua personagem Jeca Tatu, por exemplo - um típico caipira acomodado e miserável do interior paulista - Lobato critica a face de um Brasil agrário, atrasado e ignorante, cheio de vícios e vermes. Seu ideal de país era um Brasil moderno, estimulado pela ciência e pelo progresso.

            Com a publicação de O Escândalo do Petróleo(1936) denuncia o jogo de interesses que envolve a extração do petróleo e o envolvimento das autoridades brasileiras com os interesses internacionais. Em 1941, já durante a ditadura de Vargas, foi preso por ataques ao governo, provocando uma grande comoção no país inteiro.

            Escritor sem qualquer pretensão de promover renovação psicológica ou estética, Lobato foi, antes de tudo, um contador de histórias, de casos interessantes, preso, ainda, a certos modelos realistas. Dono de um estilo cuidadoso, não perdeu a oportunidade de criticar certos hábitos brasileiros, como a cópia de modelos estrangeiros, nossa subserviência ao capitalismo internacional, o carneirismo das  massas eleitorais, o nacionalismo ufanista e cego, etc...

            Apesar de sua abertura ideológica, do ponto de vista artístico mostrou-se conservador quando começaram a surgir as primeiras manifestações modernistas em São Paulo.

Além de ter escrito  literatura "adulta", Lobato foi também um dos primeiros autores de literatura infantil em nosso país e em toda a América Latina.

            Especialistas em educação infantil, todavia, vêem, hoje, com reservas, alguns dos valores transmitidos pela literatura  infantil de Lobato, como é o caso do enfoque dado às personagens negras.

 

10 fatos sobre Monteiro Lobato, criador do Sítio do Picapau Amarelo – Revista Galileu – Abril 2018

Escritor abriu as portas para a literatura infantil brasileira, desafiou a ditadura varguista, mas também foi defensor de ideias retrógradas como a eugenia.

 

1 - Dia do Livro Infantil

Além de celebrar o nascimento do pai da literatura infantil brasileira, o dia 18 de abril também é marcado pelo Dia Nacional do Livro Infantil.

Monteiro Lobato nasceu no ano de 1882, na cidade de Taubaté, interior de São Paulo, e se destacou em muitas áreas de atuação, mas, até hoje, é lembrado principalmente por ser o autor do Sítio do Picapau Amarelo.

2 - Carreira

Os primeiros sinais de que Monteiro Lobato tinha um talento especial para a literatura apareceram durante a escola, onde escrevia para publicações acadêmicas. Apesar disso, o jovem escritor frequentou o curso de Direito na Faculdade do Largo São Francisco (atualmente pertencente à USP), sob as ordens do avô, que se tornou seu tutor após a morte dos pais na adolescência.

Lobato concluiu a graduação, mas não trabalhou na área por muito tempo. Assim que seu avô faleceu, se mudou para o sítio que herdara e começou a se concentrar na carreira de escritor.

Além de se dedicar à literatura, Lobato também exerceu as profissões de editor, tradutor, empresário e jornalista, tendo publicado diversas matérias e editoriais no O Estado de S. Paulo.


3 - Livros

Seu primeiro livro infantil, A Menina do Narizinho Arrebitado, foi publicado em 1920, mas, antes dele, algumas obras já haviam sido lançadas pelo autor. A mais famosa delas é Urupês, uma coletânea de histórias fictícias e reais marcada pelo regionalismo paulista, onde aparece a figura do Jeca Tatu pela primeira vez.

Ainda assim, as histórias infantis foram as que deram maior prestígio ao autor. Por meio das aventuras do Sítio do Picapau Amarelo, Lobato também explorou temas da ciência e da mitologia, abrindo espaço para o mercado de livros paradidáticos no Brasil.

 

4 - Seu movimento

Lobato foi um crítico ferrenho do movimento modernista. Tudo começou com sua resenha sobre a segunda exposição individual da pintora Anita Malfatti, que acabara de voltar de sua viagem aos Estados Unidos, onde passou dois anos estudando as principais correntes artísticas do hemisfério norte. Para Lobato, essas influências representavam um risco para o desenvolvimento de uma arte genuinamente brasileira.

Mas suas críticas não foram o bastante para parar o movimento. Em 1922, Anita fez parte do Grupo dos Cinco, responsável por organizar a Semana de Arte Moderna, evento que deu força para uma nova fase da arte brasileira.

Por causa dessa rivalidade, Monteiro Lobato é considerado um autor pré-modernista.

 

5 - Valores

Apesar de defender uma arte puramente brasileira, Monteiro Lobato é considerado por alguns pesquisadores um americanista, isto é, um conhecedor (e, em certa medida, um admirador) das conquistas e valores norte-americanos.

O encanto surgiu em sua viagem à terra do Tio Sam, entre 1926 e 1930. Depois disso,  chegou a atuar na União Cultural Brasil-Estados Unidos. Mais tarde, no entanto, se demitiu ao ver todo aquele vigor econômico que tanto admirava se transformara numa força opressora na América Latina.

 

6 - Petróleo

Além de entreter crianças, Monteiro Lobato também apoiava a extração do petróleo no Brasil. Isso mesmo. O autor de livros infantis também se dedicou à indústria e foi um dos fundadores da Companhia Petróleos do Brasil, inaugurada em 1931, logo após voltar dos Estados Unidos.

Em 1936, publicou “O Escândalo do Petróleo”, livro que se esgotou em poucas semanas e foi censurado pelo governo Vargas.

 

7 - Posição política

A constante censura do governo varguista foi o estopim para que Lobato se aproximasse de ideias comunistas. Após enviar cartas à Getúlio criticando sua gestão do petróleo brasileiro, o escritor foi condenado a seis meses de prisão por injúria ao Estado. Saiu da cadeia depois de três meses e foi convidado a se juntar ao Partido Comunista da época, mas recusou. Não queria entrar para a vida política.

 

8 - Jeca Tatu e saúde pública

Após acompanhar pesquisas sobre saúde pública no bairro de Manguinhos, Rio de Janeiro, Lobato transformou o Jeca Tatu em um símbolo da importância do saneamento básico no Brasil.

Com contos, tirinhas e anúncios, o escritor queria conscientizar a população sobre o problema sanitário e pressionar a elite a prover o serviço ao povo.

 

9 - Racismo

Monteiro Lobato era racista, como revela um estudo publicado em 2013. O escritor era próximo dos médicos Renato Kehl e Arthur Neiva, que difundiram o conceito de eugenia no Brasil, e também foi membro da Sociedade Eugênica de São Paulo.

Em um trecho de uma carta à Neiva, Lobato inclusive defendeu a criação de uma Ku Klux Klan no Brasil: "Um dia se fará justiça ao Ku-Klux-Klan; tivéssemos aí uma defesa desta ordem, que mantém o negro em seu lugar, e estaríamos hoje livres da peste da imprensa carioca."

 

10 - Escândalo da Cuca

Em 2017, os gringos descobriram a Cuca. Gifs da vilã antropomórfica viralizaram no Twitter e até foram estampados em camisetas produzidas pelo blogueiro Perez Hilton. A família de Monteiro Lobato não gostou nada da “homenagem” e prometeu que processaria o norte-americano por lucrar com a personagem sem autorização.

 

LIMA BARRETO 1881 - 1922).

TRISTE FIM DE POLICARPO QUARESMA: entre o ideal e o real.

 

            Esse é o principal romance de Lima Barreto (1881 - 1922). Contextualizada no final do século XIX, no Rio de Janeiro, a obra narra os ideais e a frustração do funcionário público Policarpo Quaresma, homem metódico e nacionalista fanático.

            Sonhador e ingênuo, Policarpo dedica a vida a estudar as riquezas do país: a cultura popular, a fauna, a flora, os rios, etc.. Sua primeira decepção se dá quando sugere a substituição do português, como língua oficial, pelo tupi. O resultado é sua internação em um hospício.

            Aposentado, dedica-se à agricultura no sítio Sossego, acreditando na fertilidade do solo brasileiro. Contudo, depara-se com uma dura  realidade até então desconhecida: a esterilidade do solo, o ataque das saúvas, a falta de apoio ao pequeno agricultor.

            Por fim, com a eclosão da Revolta da Armada, no rio de Janeiro, Quaresma apóia o então presidente, Marechal Floriano Peixoto, e como voluntário, participa do conflito. Assumindo o cargo de carcereiro, critica as injustiças que vê serem praticadas contra os prisioneiros. Como consequência, é preso e condenado ao fuzilamento por ordem do próprio Floriano, seu ídolo.

            Além da descrição política do país nesse início de República, a obra traça um rico painel social e humano dos subúrbios cariocas na virada do século. Aposentados, profissionais liberais, moças casadoiras, carreiristas, músicos, donas de casa, o mulato - esse é o universo retratado por Lima Barreto. Destacam-se, nesse conjunto, as personagens Ismênia, moça formada para o casamento, que enlouquece quando abandonada pelo noivo; Olga, sobrinha de Policarpo, que difere da maioria das mulheres por ser mais independente; e o violonista e cantor de modinhas, amigo de Policarpo, Ricardo Coração-dos-Outros.

            Nesta obra, Lima Barreto critica a mania de salvação nacional dos militares, sempre ansiosos para intervir na política, impondo soluções milagrosas; a educação recebida pelas mulheres, voltada exclusivamente para o casamento e a proibição do voto feminino.

 

El PAÍS

FLIP 2017 | FESTA LITERÁRIA INTERNACIONAL DE PARATY

Lima Barreto, uma voz que nasceu negra na literatura

Em biografia de Lilia Schwarcz, escritor discute o racismo no Brasil recém saído da escravidão.

 

“No topo da ficha da primeira internação de Affonso de Henriques de Lima Barreto no Hospício Nacional, o escritor é identificado como branco. O ano era 1914, o diagnóstico alcoolismo, a cidade Rio de Janeiro. Logo abaixo do cabeçalho, contudo, uma foto em sépia desmente a informação sobre sua cor. Assim como um sem número de intelectuais e homens públicos brasileiros, que eram negros, mas foram repetidamente retratados como brancos, Lima, ainda em vida, foi tomado pelo que não era. No seu caso, contudo, o “branqueamento” é ainda mais absurdo, pois ser negro, no último país a abolir a escravidão no mundo, foi questão central da vida e obra do escritor brasileiro.”

“Nos personagens, nas tramas, em escritos pessoais, a atenção para a questão racial e as descrições dos tipos físicos dos personagens estão sempre em evidência”, diz a antropóloga Lilia Moritz Schwarcz. Se no começo do século XX, o determinismo racial – que dizia que populações mestiças e negras eram biologicamente mais fracas – estava em voga, Lima aparecia como uma voz dissonante, combativa e, muitas vezes, solitária. “A capacidade mental do negro é medida a priori, a do branco a posteriori”, escreveu em seu Diário, em 1904, oferecendo um retrato claro do teor de racismo que vicejava no Brasil pós abolição da escravatura.

O tema racial, não por acaso, é também o de maior relevância na biografia Lima Barreto: Triste Visionário, que Schwarcz lança em 10 de julho, pela Companhia das Letras. “O Lima é um personagem bem interpretado. Toda a leva de pesquisadores que seguiram o Francisco de Assis Barbosa, seu primeiro biógrafo e difusor de sua obra, é excelente. A pergunta que eu fiz, que não se tinha feito muito ainda, é sobre a questão racial”. Neto de escravos e filho de pais livres, nascido no dia 13 de maio de 1881, na mesma data em que sete anos depois a lei áurea colocaria um fim na escravidão, Lima abordou o tema a partir de sua própria experiência. Sua obra, nesse sentido, é extremamente autobiográfica.

Se quando adolescente o escritor cursou a Escola Politécnica e se descobriu como único negro de uma turma composta por filhos brancos da elite, sentindo toda a rejeição que poderia haver na situação; em Memórias do Escrivão Isaías Caminha, de 1909, seu romance de estreia, fez o personagem Isaías, filho bastardo de um padre com uma escrava, passar por uma infância em que recebeu educação regular, para, no futuro, descobrir que sua cor seria uma barreira para que ele galgasse posições. Assim como Isaías, Lima também teve um desenvolvimento relativamente estável na infância para descobrir na adolescência e início da juventude o deslocamento que sua condição social e sua cor lhe imporiam.

Comumente retratado como um escritor pobre, Lima teve certa estabilidade familiar durante boa parte de sua infância. O pai, João Henriques, e a mãe, Amália Augusta, eram ambiciosos e tinham boas relações com a elite. Tiveram educação e eram livres. Enquanto ele teve uma carreira promissora como tipógrafo, ela era professora escolar. As coisas começaram a mudar quando Amália morreu de tuberculose e João perdeu o emprego. Em 1902, ele, depois de uma série de episódios de esgotamento emocional, acabou perdendo também a razão, o que levou Lima a abandonar a faculdade para sustentar a casa.

Aos 21 anos, o escritor virou arrimo da família, constituída por três irmãos, pai e alguns agregados. Trabalhando como funcionário público e, ao mesmo tempo, tocando seu projeto literário com colaborações rotineiras em jornais e revistas, Lima encontrou desde cedo na veia crítica sua principal marca. Se denunciava o racismo, também direcionava ataques contra a República, a imprensa e qualquer coisa que cheirasse a estrangeirismos. “Há uma história de comparar Lima Barreto com Machado de Assis, mas é uma injustiça. Eles tinham projetos completamente diferentes, enquanto Machado era um universalista, Lima era um escritor engajado, que denunciava mazelas e criticava o que via em seu cotidiano”, diz Schwarcz.

Olhando para seu tempo, Lima foi, por exemplo, um critico feroz da reforma do centro do Rio, empreendida pelo prefeito engenheiro Pereira Passos. A época marca o início da abertura de grandes avenidas na cidade e da subsequente expulsão de populações pobres que viviam em cortiços para lugares cada vez mais longínquos. Segundo Schwarcz, “a visão que ele tinha da reforma é impressionante, porque muitas das testemunhas da época ficaram encantadas com o que estava sendo feito”. Ele, ao contrário, já percebia o drama de quem era expulso – o que redundaria, em última instância, em um problema crônico das cidades brasileiras, presente até hoje – e também se insuflava com o que via como exportação de padrões europeus de cidades, sobretudo Paris, para o Brasil. Grande birra de sua vida, por exemplo, era o bairro de Botafogo e a cidade de Petrópolis, ambos "afrancesados".

Entre 1909, ano de lançamento de Memórias do Escrivão Isaías Caminha, e 1922, data de sua morte, aos 41 anos, Lima escreveu centenas de crônicas e contos, como O homem que sabia javanês e Nova Califórnia, e publicou ao menos uma obra-prima: O Triste Fim de Policarpo Quaresma, de 1911. Outros romances, como Numa e Ninfa e Vida e Morte de M. J. Gonzaga de Sá, também foram publicados no curto intervalo de tempo. Além dessas publicações, muito material veio a público depois de sua morte, como o Diário Íntimo, Clara dos Anjos e Os Bruzundangas. Em suma, foi uma produção profícua e intensa.

Com uma vida marcada pelo alcoolismo, contudo, seus textos e livros foram vistos e avaliados por críticos muitas vezes como erráticos. Lima acumulava diversos projetos ao mesmo tempo e não se encaixava no perfil virtuoso com que escritores eram vistos. Além disso, o tom autobiográfico de seus livros e a falta de preocupação em esconder a real personalidade de alguns de seus personagens não eram bem avaliados na época. Em Memórias do Escrivão Isaías Caminhas, por exemplo, ele retratou criticamente diferentes jornalistas que eram facilmente reconhecíveis, como o célebre cronista João do Rio e Edmundo Bittencourt, dono do Correio da Manhã, um dos jornais mais influentes da época. Não teve vida fácil após isso.

 “Foi só depois de 1950, quando ele foi redescoberto pelo biógrafo Assis Barbosa, que sua obra começou a circular novamente, mas acho que seu nome só foi ser mais lembrado, de fato, recentemente”, diz Schwarcz. Hoje ele também será o principal homenageado da Festa Literária de Paraty, que acontece no final de julho. Segundo a biógrafa, também é interessante pensar que se a imagem do escritor boêmio foi tão romantizada em alguns casos na história da literatura, em Lima Barreto ela sempre foi vista como algo depreciativo. “A boemia e o alcoolismo, no caso dele, sempre apareceram como acusação”, diz a biógrafa. Por trás disso, talvez esteja a questão racial mais uma vez. Não que Lima não tivesse problemas graves com álcool. Tinha e eles custaram sua saúde. Mas é curioso pensar na diferença de tratamento que sua boemia recebia.

Em 1919, quando foi internado pela segunda vez no Hospício Nacional, Lima já era descrito como alguém andrajoso, com os sapatos trocados, transpirando muito, com inchaços no rosto e olhos “sampaku” – quando há um branco abaixo da íris, característica comum ao alcoolismo. Três anos depois morreu deitado em sua cama, enquanto lia uma revista francesa. Nessa época, Schwarcz descreve, sua personalidade estava se fundindo, cada vez mais, com a dos sofridos moradores dos subúrbios – tão retratados em seus textos.

Lima, segundo a biógrafa, é nosso visionário por ter falado de racismo praticamente cem anos antes do assunto entrar, de fato, em pauta. É nosso visionário também por ter antecipado uma série de temas brasileiros, como a urbanização pouco planejada das cidades. É triste por saber também, de antemão, que a coisa não ia bem e que a euforia dos anos em que viveu – era o tempo da Belle Époque, em que o avanço científico e o crescimento das cidades dava a sensação de que os problemas da humanidade estavam resolvidos – não iria durar. Infelizmente, o triste visionário talvez tenha tido sua maturidade interrompida: “Se pensarmos que Machado de Assis escreveu suas principais obras depois dos 40 anos, é uma lástima que Lima tenha ido tão cedo”.


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