O GÊNERO NARRATIVO

 


O gênero narrativo refere-se aos textos que contam uma história. Para isso, é necessário um narrador ou uma narradora, personagem, enredo, tempo, e espaço. O narrador pode ser onisciente, observador ou personagem da narrativa, que pode conter um discurso direto, indireto ou indireto livre.

 Assim, o gênero narrativo apresenta, entre outros, estes principais subgêneros:

epopeia

romance

conto

crônica

novela

fábula

 

Contar histórias faz parte da cultura e da natureza humana.

 

ESTRUTURA DOS TEXTOS NARRATIVOS

1.Narrador

É a voz narrativa, isto é, aquele ou aquela que conta a história. Portanto, não devemos confundir essa voz com a voz do autor, pois ela se configura, também, em uma estratégia ficcional.

TIPOS DE NARRADOR

Narrador onisciente ou onipresente

Narrador em 3a pessoa, que tem conhecimento total das personagens, como pensamentos, intenções e detalhes de suas histórias individuais. Isso pode ser verificado no seguinte trecho do conto “Pílades e Orestes”, do livro Relíquias de casa velha (1906), de Machado de Assis, em que o narrador conhece até as sutis impressões da personagem Quintanilha:

“Quintanilha sentiu-lhe lágrimas na voz; assim lhe pareceu, ao menos. Pediu-lhe que guardasse o testamento; [...] só lhe respondia o som áspero da pena correndo no papel. [...]. A consulta dos livros era feita com tal melancolia que entristecia o outro.”

 

Narrador observador

Narrador em 3a pessoa, que não tem conhecimento total das personagens, portanto, restringe-se a narrar suas ações. Assim como neste trecho da novela Pela noite (1983), de Caio Fernando Abreu (1948-1996):

“Voltou de repente e deu um salto para dentro da sala, a cara violenta, o punho fechado, estendido em direção à barriga do outro.”

 

Narrador-personagem

Narrador em 1a pessoa. Assim, o próprio personagem conta a história, o que dá aos leitores uma visão parcial dos fatos. É o que acontece neste trecho do conto “Frederico Paciência”, do livro Contos novos (1947), de Mário de Andrade (1893-1945):

“Frederico Paciência estava maravilhoso, sujo do futebol, suado, corado, derramando vida. Me olhou com uma ternura sorridente. Talvez houvesse, havia um pouco de piedade.”

 

2.Personagem

As personagens são os participantes da história, quem age ou quem é afetado pelo enredo, podendo ser planas (sem complexidade, superficial e previsível) ou redondas (complexa, com profundidade e imprevisível).

Assim, a personagem redonda ou esférica é muito semelhante a um ser real. Por exemplo, Capitu, personagem do livro Dom Casmurro (1899), de Machado de Assis (1839-1908), é uma personagem redonda, já que é complexa a ponto de, até os nossos dias, não sabermos se ela era inocente da traição ou dissimulada.

Já como exemplo de personagens planas, podemos citar o vilão e o herói da série de livros infanto-juvenil Harry Potter (1997-2007), de J. K. Rowling. Nessa obra, tanto Voldemort quanto Harry são previsíveis, pois se comportam da forma que um vilão e um herói comportam-se, pois representam a luta do bem contra o mal. Esse tipo de personagem é típico de narrativas de entretenimento, pois complexidade demais pode afastar leitores e leitoras que querem apenas “passar o tempo” e divertir-se.

 

3.Tempo

Tempo cronológico

Semelhante ao tempo do relógio, ou seja, regular, indicador dos segundos, minutos, horas, dias, semanas, meses e anos, enfim, o chamado tempo físico. Assim, passado, presente e a projeção do futuro são bem demarcados. Como exemplo, vamos ler o trecho do conto A nova Califórnia (1910), de Lima Barreto (1881-1922):

“Havia já anos que o químico vivia em Tubiacanga, quando, uma bela manhã, Bastos o viu entrar pela botica adentro. O prazer do farmacêutico foi imenso. O sábio não se dignara até aí visitar fosse quem fosse e, [...].”

 

Tempo psicológico

Não está relacionado ao relógio ou ao calendário, mas ao interior da personagem; é o tempo do fluxo de consciência, ocorrido na mente da personagem, portanto, é relativo, possibilitando a indefinição das fronteiras entre presente, passado e futuro. Como podemos ver neste trecho do romance A paixão segundo G.H. (1964), de Clarice Lispector (1920-1977):

“Oh, meu amor desconhecido, lembra-te de que eu estava ali presa na mina desabada, e que a essa altura o quarto já se tornara de um familiar inexprimível, igual ao familiar verídico do sonho. E, como do sonho, o que não te posso reproduzir é a cor essencial de sua atmosfera. Como no sonho, a ‘lógica’ era outra, era uma que não faz sentido quando se acorda, pois a verdade maior do sonho se perde.

Mas lembra-te que isso tudo acontecia eu acordada e imobilizada pela luz do dia, e a verdade um sonho estava se passando sem a anestesia da noite. Dorme comigo acordado e só assim poderás saber de meu sono grande e saberás o que é o deserto vivo.

De súbito, ali sentada, um cansaço todo endurecido e sem nenhuma lassidão me tomara. Um pouco mais e ele me petrificaria.”

 

4.Espaço

É o lugar onde acontece a trama (o enredo, a história contada na narrativa). A sua escolha pode ser aleatória, mas pode também estar diretamente associada às características da personagem, como no romance Vidas secas (1938), de Graciliano Ramos (1892-1953). O espaço dessa narrativa, caracterizado pela seca, determina o caráter das personagens, que acabam assimilando, em suas personalidades, a brutalidade e sequidão do ambiente:

“Era bruto, sim senhor, nunca havia aprendido, não sabia explicar-se. Estava preso por isso? Como era? Então mete-se um homem na cadeia porque ele não sabe falar direito? Que mal fazia a brutalidade dele? Vivia trabalhando como um escravo. Desentupia o bebedouro, consertava as cercas, curava os animais — aproveitara um casco de fazenda sem valor. Tudo em ordem, podiam ver. Tinha culpa de ser bruto? Quem tinha culpa?”

 

Tipos de discurso narrativo

Discurso direto

É a fala da personagem (ou das personagens). Observe este diálogo do livro Os Bruzundangas (1922), de Lima Barreto (1881-1922):

“— O doutor Sicrano já escreveu alguma coisa?

— Por que perguntas?

— Não dizem que ele vai ser eleito para a Academia de Letras?

— Não é preciso escrever coisa alguma, meu caro; entretanto, quando esteve na Europa, enviou lindas cartas aos amigos e...

— Quem as leu?

— Os amigos, certamente; e, demais, é um médico de grande clínica. Não é bastante?”

 

Discurso indireto

O narrador ou narradora fala pela personagem. Como exemplo, destacamos este trecho do romance Ponciá Vicêncio (2003), de Conceição Evaristo:

“Quando fizeram silêncio, foi o soldado negro que se aproximou, dizendo se chamar Nestor e que, se Luandi quisesse, ele estaria empregado. Era para varrer, limpar, cuidar do asseio da delegacia. E como ele não sabia ler nem assinar, não poderia ser soldado.”

 

Discurso indireto livre ou semi-indireto

É a reprodução do pensamento da personagem pelo narrador ou narradora. Isso é possível observar, ainda no livro Ponciá Vicêncio, neste trecho:

“Lembrou da missão que passara por uns tempos na sua terra. Foi naquela época que sua irmã Ponciá tinha aprendido a ler. Ele já acompanhava o pai nos trabalhos de roça. E a sua irmã? Já varara os quatro cantos da cidade, olhava as moças negras, procurando um rosto que fosse o dela. A irmã sabia ler, como estava sendo a vida dela?”

 

Os textos narrativos podem ser assim classificados:

 

Monofônicos: focados sobre uma personagem, o protagonista. Exemplo: A metamorfose (1915), de Franz Kafka (1883-1924).

 

Polifônicos: focados sobre várias personagens. Exemplo: O cortiço (1890), de Aluísio Azevedo (1857-1913).

 

Fechados: focados na ação e não na reflexão. Assim, não há abertura para a imaginação dos leitores, tudo é informado. Exemplo: romances policiais, pois devem apresentar uma solução para o mistério no final da obra, o que acontece em livros como A maldição do espelho (1962), de Agatha Christie (1890-1976), e em tantas obras da escritora.

 

Abertos: focados na reflexão e não na ação, nem tudo é expresso, o enredo apresenta lacunas que devem ser preenchidas pelos leitores. Exemplo: Dom Casmurro, de Machado de Assis. Até hoje não se sabe se Capitu traiu ou não seu marido e narrador da história, Bentinho.

 

Lineares ou progressivos: seguem uma sequência cronológica, e os fatos, os acontecimentos, são considerados mais importantes do que a reflexão. Exemplo: Harry Potter, de J. K. Rowling.

 

→ Verticais ou analíticos: há reflexão sobre os fatos ocorridos e sobre sua influência nas personagens. Por exemplo, este trecho de A metamorfose, de Franz Kafka:

“Ao ouvir essas palavras da mãe, Gregor reconheceu que a falta de qualquer comunicação humana imediata, ligada à vida uniforme em meio à família, no decorrer desses dois meses, deveria ter confundido seu entendimento, pois de outra forma ele não conseguia entender como poderia ter coragem de desejar a sério que seu quarto fosse esvaziado.”|1|

 

Psicológicos: centrados no funcionamento da mente humana, no pensamento das personagens ou dos narradores, em seus fragmentários estados de consciência. Portanto, nesse tipo de texto, é minimizada a importância dos fatos narrados e supervalorizada a expressão do pensamento, o que observamos neste trecho de A paixão segundo G.H., de Clarice Lispector:

“E uma desilusão. Mas desilusão de quê? Se, sem ao menos sentir, eu mal devia estar tolerando minha organização apenas construída? Talvez desilusão seja o medo de não pertencer mais a um sistema. No entanto, se deveria dizer assim: ele está muito feliz porque finalmente foi desiludido. O que eu era antes não me era bom. Mas era desse não-bom que eu havia organizado o melhor: a esperança. De meu próprio mal eu havia criado um bem futuro. O medo agora é que meu novo modo não faça sentido? Mas por que não me deixo guiar pelo que for acontecendo? Terei que correr o sagrado risco do acaso. E substituirei o destino pela probabilidade.”

 

Observe que, no texto vertical ou analítico, a reflexão surge de um fato. Já no psicológico, o intenso fluxo de consciência independente de um fato em particular.

 

https://brasilescola.uol.com.br/literatura/genero-narrativo.htm

 

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Programa de Literatura para o Ensino Médio

QUESTÕES DE MÚLTIPLA ESCOLHA

Literatura - 1o ano