MARIA FIRMINA DOS REIS - NOSSA PRIMEIRA ROMANCISTA

No dia 11 de março de 1822, ano em que o Brasil, com dinheiro emprestado da Inglaterra, pagou a Portugal pela nossa independência, sem gritinho às margens do Ipiranga, nascia, no Maranhão,  MARIA FIRMINA DOS REIS. O país ainda era, oficialmente escravocrata. Ela nascera preta, mulher, nordestina, filha de uma mulata forra chamada Leonor Felipa. Pai desconhecido. Há muitos pais desconhecidos nesse país. Quase sempre cristãos (católicos / protestantes), sempre contra o aborto.  O pai desconhecido apareceu apenas na certidão de óbito de Maria Firmina, que nos deixou em 17 de novembro de 1917, quando o país já não era escravocrata,  oficialmente. O tal pai, rico, havia sido sócio do dono da mãe de Maria Firmina. Estupro à vista, num país onde estuprar mulheres negras e indígenas não era pecado contra Deus nem contra a igreja, nem crime contra o estado ou os direitos humanos. Na ancestralidade de cada um de nós existe uma mulher estuprada ou um homem estuprador ou as duas coisas. Somos frutos de estupros permitidos (não pelas mulheres), legalizados, com a bênção do Cristianismo, que continua omisso quanto ao estupro quando ele acontece entre 4 paredes, dentro de um casamento, com a bênção de Deus. Pois bem, Maria Firmina nunca se casou, portanto foi livre, feliz e ousada. Era PROFESSORA. Lhe pareceu pouco. Ousou ainda mais: foi escritora. Ousou ainda mais: romancista. A PROFESSORA Maria Firmina dos Reis  foi além: criou uma escola para quem não podia pagar, com um diferencial: ela juntou numa mesma turma MENINAS e MENINOS. Isso era absurdamente inovador.  Maria Firmina foi uma abolicionista arretada que se recusava ser transportada de "palanquim", porque dizia que "negro não é animal para se andar montado nele". Maria Firmina foi a primeira mulher brasileira de que se tem notícia a publicar um romance: "ÚRSULA",  dentro do período do Romantismo na literatura. Ela não aparece em mais de 90% dos livros ou apostilas de literatura que conheço. Quando aparece, é numa breve citação ao nome e ao romance. ÚRSULA é um romance abolicionista anterior, é bom lembrar, à poesia de Castro Alves e de Tobias Barreto. É também o primeiro romance da literatura afro-brasileira. Maria Firmina tinha tanta consciência do papel que a história de um país escravagista, racista e misógino lhe reservaria, que apresenta assim o seu romance: "Mesquinho e humilde livro é este que vos apresento, leitor. Sei que passará entre o indiferentismo glacial de uns e o riso mofador de outros... Pouco vale este romance,  porque escrito por uma mulher, e mulher brasileira, de educação acanhada e sem o trato e conversação dos homens ilustrados..." Maria Firmina não estudou na Europa, não falava outro idioma, não era de academias. Mas queria explodir em palavras.  E explodiu. Úrsula não foi o seu único livro. Ela não se auto-branqueou, não vendeu sua alma, não negociou sua cor como faria seu contemporâneo Machado de Assis, aqui no Rio de Janeiro. Machado de Assis foi gênio. Isso é indiscutível. Foi homem. Mas foi preto. Tornou-se o escritor que conhecemos porque vendeu a alma para circular livremente entre a elite branca do Rio de Janeiro. Ignorou a escravidão.  Não foi um abolicionista.  Evitou esse assunto. Mais tarde se descobriria uns textos dele sobre isso, com pseudônimo. Não admitia ser chamado sequer de mulato. Era autobranquedo como Pelé. Um preço alto demais, que a mulher preta nordestina Maria Firmina se recusou a pagar. Ser mulher agravava ainda mais o seu caso. Gênios da literatura precisavam ser homens brancos ou branqueados. O primeiro romancista brasileiro foi um homem negro, TEIXEIRA E SOUZA, aqui de Cabo Frio, também contemporâneo de Machado e de Firmina. Em 1843, publicou O FILHO DO PESCADOR, cuja primazia lhe foi tirada, DESONESTA E DESCARADAMENTE, por A MORENINHA, do escritor branco e escravagista ou, pelo menos, falso abolicionista ou abolicionista às avessas, JOAQUIM MANOEL DE MACEDO, autor também de VÍTIMAS ALGOZES, livro de contos em que culpa os escravizados pela sua própria condição e os demoniza. 1844 só vem antes de 1843, quando o livro de 1843 é de um homem preto e o de 1844 é de um homem branco. Se o romance de 1859 é de uma mulher. E se essa mulher é preta e nordestina,  apaga-se o ano, o romance, a autora.   Maria Firmina morreu pobre aos 95 anos. Depois de morta, busto e homenagens. E tem um detalhe: tanto a autora Maria Firmina quanto a personagem Úrsula MENSTRUAVAM. Isso parece grave. 

PROF. ISAC MACHADO DE MOURA

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